Domingo, 14 de Janeiro de 2007

LEVEZA BRUTAL

Belarmino Mariano Neto
 
Às dez horas de uma manhã de maio seguia pela BR 230 rumo ao Agreste paraibano em minha motocicleta Honda NX 150 ESD. Por volta do km 67 e a mais de cem quilômetros por hora, meus pensamentos estavam todos tomados pelos 180 graus de veloz olhar geográfico da paisagem que se descortinava naquela manhã de céu azul que contrastava com os verdes canaviais e resquícios da mata-atlântica.
Na suavidade do instante e na leveza brutal dos acontecimentos uma borboleta multicolorida espatifou a sua liberdade contra o meu peito. Nas asas da minha liberdade de 150 cilindradas e a mais 100 por hora a leveza de uma borboleta partiu meu peito em pedaços e senti no peso do capacete que o mundo era sensível.
            Nesse momento o céu acinzentou e mortes cruéis tomaram conta dos meus pensamentos de velocista em duas rodas. Nas margens da BR, cadáveres de pequenas raposas, cães, gatos e até jumentos, eram banqueteados pelos urubus.
            O céu acinzentado anunciava uma chuva que se aproximava faceira, trazida pelos alísios do sudeste e que com certeza lavaria meu casaco preto de couro sintético. Enquanto continuava a viagem senti um profundo frio na espinha dorsal e aquela fina chuva começou a cair.
Os pingos se lançavam contra o meu capacete e molhava todo aquele corpo signal de moto e homem em alta velocidade. Sentia que as tinturas e fragmentos de asas da borboleta escorriam pelo blusão e se misturavam as pernas da calça jeans azul desbotado até tingirem o negro asfalto com os fragmentos atômicos do que era uma liberdade multicolorida.
A liberdade era cercada em todas as suas propagandas de refrigerante, calças jeans, moto e placas de beba coca-cola. Nada mais possuía o mesmo sentido, pois minha frenética velocidade havia esbarrado no símbolo máximo da metamorfose ambulante. A borboleta tatuada em meu corpo ganhava um sentido literal de papion acorrentado, pois de agora em diante minha borboleta estava presa a uma liberdade sem asas.
publicado por olharesgeograficos às 19:44
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De Dira a 29 de Janeiro de 2007 às 16:43
perfeito. perfeito. Esse seu conto acaricia a pele da gente e nos esmurra a boca do estômago de como a vida passar por nós de forma vulgar e efêmera. O mundo é exatamente assim: passageiro.
amo tu.
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