Domingo, 18 de Março de 2007

Vidraça

Belarmino Mariano Neto (belogeo@yahoo.com.br)

Desde muito tempo que todas as noites ela aparecia na vidraça do casarão azul. Sempre às 23 horas e 59 minutos. Seus olhos de coloração azulada, simplesmente ficavam acessos e diante daquele ambiente de pouca luz que escorria pela rua, seu olhar de cristal avermelhado lembrava chamas de velas. Era um ambiente sombrio e pouco movimentado no qual a lâmpada do poste flertava com a copa das castanheiras e da sua vidraça ela espiava a vida passando lá fora.
Noite após noite, ano após ano aquela cena se repetia como em um ritual de incertezas e esperas constantes. O casarão azul era uma construção do fim do século XIX e ganhara esse nome devido aos azulejos portugueses que formavam uma espécie de céu em um mosaico de nuvens com tons suaves.
No primeiro andar do casarão existia uma grande janela arqueada em meia lua e, pintada de branco, ostentava uma vidraça em formatos quadrados, retangulares e triangulares. Ela encostava-se na janela entre aberta olhando para a rua quase deserta. Entre os tons verde, azul, amarelo e roxo dos vidros percebia-se um lustre antigo em forma de pendulo escorrendo cristais de luz permanentemente acesa.
Como no movimento de um caleidoscópio ela aparecia na fresta da janela de vidros multicoloridos que contrastavam com a penumbra da noite. Seu olhar para rua capturava cenas e entre a pouca luminosidade, pedestres apressados, gatos, cães e ciclistas passavam sem perceber aquela presença feminina. Nem ela se percebia, até que no dia dois de novembro do ano dois mil, a zero hora, ela saiu daquela posição e virando-se para a sala, viu o próprio corpo enforcado na linha central do casarão de escombros. Na sua projeção percebeu que estava holograficamente capturada pelas vidraças de um gigantesco e multicolorido Shopping Center e fascinada com aquele novo universo passou a passear livremente pelas vitrines das lojas. Os seguranças da noite perceberam com estranheza que um calor feminino arrepiava-os todas as noites, até que um velho freqüentador do local lhes contou o episódio do casarão e da moça.

publicado por olharesgeograficos às 03:01
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